Tomada de posição sobre descentralização

Saúde, Ação Social e Educação, as três áreas mais problemáticas para as autarquias no processo da descentralização.

Autarcas Social Democratas (ASD) temem que serviços percam qualidade por falta de verbas a transferir pelo Governo e que tenham de comprometer verbas dos orçamentos municipais para “acudir” às despesas prementes e propõem avaliações trimestrais para adequar os recursos financeiros.

Os atrasos do processo de descentralização e a falta de transparência na identificação dos meios, recursos, pessoal e bens afetos atualmente, bem como dos montantes financeiros adequados, por parte dos diversos serviços da administração central e do Governo, estão a conduzir a grande confusão e a gerar desconfiança, o que inquina o processo e o consequente objetivo meritório inicialmente consensualizado entre o Partido Social Democrata (PSD) e o Governo em abril de 2018.

 

Contextualização

Em 01 de março de 2017, o Governo entrou no Parlamento com uma Proposta de Lei-Quadro que defendia a universalização da transferência de competências. Esta entraria em vigor no dia seguinte à sua publicação, seguindo-se a aprovação dos decretos-lei de cada área a descentralizar para as autarquias. Ou seja, no ano de 2018, todas as autarquias teriam de assumir as competências, sem apelo nem agravo.

Os ASD e o PSD entenderam que isto era perigoso. Sempre defenderam a descentralização, mas não a qualquer preço, de forma a evitar “presentes envenenados”.

Foi por isto que o PSD acordou com o Governo que a reforma da Descentralização, composta pela Lei-Quadro, pelos Decretos-Lei Setoriais, pela revisão da Lei das Finanças Locais e pelos “envelopes” financeiros associados a cada autarquia local com identificação das verbas por área de competências, teria de estar concluída até setembro de 2019. Consagrava-se, assim, o princípio do gradualismo para que todas as autarquias locais assumissem as novas competências até 2021 e que fosse inscrito, nos Orçamentos do Estado dos anos de 2019, 2020 e 2021, o montante do Fundo de Financiamento da Descentralização que incorpora os valores a transferir para as autarquias locais que financiam as novas competências. Consagrava-se, ainda, a criação de uma comissão com representantes da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), do Governo e do Parlamento para avaliar a implementação da transferência e a adequabilidade dos recursos financeiros de cada área de competências.

 

Posição dos ASD

O que se tem assistido é uma confusão que gera desconfiança e inquina o processo. A Comissão Política Nacional dos ASD, reunida em 27 de abril, constatou inúmeras queixas dos autarcas pela falta de clareza e de justiça no processo.

Um exemplo: um município, no primeiro ano da descentralização na área da Educação, não recebeu a totalidade dos valores contratualizados, ficando a faltar 70 mil euros que despendeu para cumprir com as obrigações transferidas. No ano seguinte (2021), ao mesmo município o Governo ficou a dever 130 mil euros pelas mesmas razões. Mas, o mesmo Governo, a este mesmo município, cortou os 20 mil euros destinados a pequenas reparações relativamente a uma escola, logo no mês seguinte ao seu encerramento. A par destas situações, acresce o aumento brutal dos encargos com a energia elétrica, gás, combustíveis para transportes, refeições escolares, etc., que não são compensados.  

Este é apenas um dos muitos exemplos da falta de cumprimento por parte do Governo, que não transfere ou atrasa o devido, que os ASD criticam e cujo assunto foi abordado na reunião da Comissão Política Nacional, realizada ontem à noite.

Na Educação, há situações díspares e verifica-se que existem municípios que dizem receber dinheiro adequado às despesas e outros que se queixam da sua falta. Por isso, sendo a descentralização na área da Educação obrigatória desde o dia 01 de abril último, consideram os autarcas do PSD ser necessário restaurar a confiança e, neste sentido, defendem ativar um processo de avaliação, a cada três meses, da adequabilidade dos recursos financeiros face às despesas incorridas pelos municípios, de modo a obter uma apreciação adequada que determine correções dos pacotes financeiros, com os devidos acertos de contas no prazo máximo de três meses.

Defendem ainda os ASD que as áreas da Saúde e Ação Social só devem avançar quando a da Educação estiver estabilizada e esteja perfeitamente identificado o que vai ser transferido e o respetivo financiamento.

Enquanto que na área da Educação, apesar das dificuldades detetadas, há rácios definidos, nas áreas da Saúde e da Ação Social estes ou não existem, ou não são aplicados de forma clara. Em concreto na área da Saúde, o processo desenvolve-se em função da disposição dos responsáveis das Administrações Regionais de Saúde (ARS) e, para o demonstrar, apresenta-se mais um exemplo: num centro de saúde, que tinha 15 funcionários e passou a 10, por aposentação de 5 funcionários, o valor que a ARS quer transferir é sobre 10 funcionários e isso impede novas contratações, necessárias ao bom funcionamento do mesmo.

O descontentamento predomina e os ASD levantam novamente a voz para chamar a atenção para estes problemas que têm um efeito prolongado e colocam em causa o futuro próximo e a longo prazo da prestação dos serviços de educação, saúde e ação social em cada concelho, “pois obrigam os orçamentos municipais a suportar os custos do processo de descentralização e assim retiram capacidade para cumprir projetos autárquicos em tempos difíceis”, adiantou o Presidente dos ASD, Hélder Sousa Silva, pelo que exige que, de três em três meses, se faça uma avaliação das despesas incorridas e as transferências efetivadas para que a contabilidade fale por si.

Os autarcas temem que este seja mais um processo que se torna facto consumado, em resultado da desresponsabilização dos Governos.

Só é verdadeira descentralização aquela que, efetivamente, corresponde à melhoria da vida das pessoas, o que implica o correto e adequado funcionamento dos serviços, com os recursos devidos.